O Álcool e o Esporte

O álcool e o esporte estão intimamente relacionados pela propaganda. Muitas organizações esportivas, equipes e eventos são patrocinados por fabricantes de cervejas e de outras bebidas alcoólicas. É pequeno o número de atletas que tomam bebidas alcoólicas por acreditar que elas podem melhorar o desempenho esportivo, e o consumo de álcool geralmente ocorre em eventos sociais que, com freqüência, inserem-se na cultura do esporte. Neste artigo, apresentamos uma avaliação do efeito do álcool no desempenho esportivo e dos seus padrões de consumo que caracterizam a ingestão de álcool da maioria dos atletas. Fornecemos também algumas orientações para que os esportistas possam utilizar o álcool de forma sensata.

Os Atletas e o Álcool

Quantos atletas consomem bebidas alcoólicas e em que quantidade? É difícil encontrar respostas confiáveis para essas perguntas. Em primeiro lugar, já que fornece, caracteristicamente, menor contribuição para ingestão diária de energia (geralmente menos de 5% da ingestão total de energia em adultos), com freqüência, a ingestão de álcool é excluída dos resultados das pesquisas alimentares em atletas ou simplesmente esquecida. Em segundo lugar, os especialistas em pesquisas alimentares dizem que os relatos pessoais sobre o próprio consumo de álcool são particularmente questionáveis. Por temerem discriminação, os atletas omitem informações ou exageram nos dados para se exibir.

Em geral, as pesquisas alimentares com atletas que incluem informações sobre consumo de bebidas alcoólicas sugerem que o álcool contribui com 0 a 5% para a ingestão total de energia na dieta diária. Esses valores podem fornecer uma visão distorcida dos hábitos alcoólicos dos atletas. Afinal, muitos deles só consomem álcool algumas poucas vezes por semana ou por mês, porém, nessas ocasiões, tomam grandes quantidades. Tal padrão foi demonstrado em uma pesquisa alimentar com jogadores de futebol da Austrália, cuja ingestão diária média de álcool foi registrada em modestas 20 g ou duas doses padrão. A maior parte dessa ingestão ocorria durante reuniões para comemorar ou lamentar o resultado dos jogos; nesses eventos, a ingestão média era de 120 g (em uma faixa de 27 a 368 g), o que significa uma contribuição média de 19% (em uma faixa de 3 a 43%) para a ingestão total de energia.

Esses relatos pessoais de ingestão excessiva de álcool após o jogo foram confirmados pela estimativa dos níveis de álcool no sangue (BALs – blood alrohollevels) em uma sessão de treinamento realizada na manhã seguinte após o jogo: 34% dos jogadores registraram um BAL positivo; 10% deles apresentaram um nível acima do limite permitido pela legislação para dirigir um veículo auto motivo.

Bebedeiras são temas freqüentes de conversas ou de reportagens na mídia sobre as façanhas dos atletas fora dos campos. Parece que elas ocorrem com maior freqüência após sessão esportiva, em eventos sociais relacionados com o esporte ou em companhia de outros atletas. A ingestão de bebidas alcoólicas após o exercício gera vários tipos de racionalizações e justificativas por parte dos atletas, inclusive as do tipo “todo mundo faz isso”, “eu bebo só uma vez na semana” e “eu posso eliminar tudo na sauna amanhã cedo”. Em alguns casos, esses episódios são romantizados e admira-se a façanha dos que bebem. Não sabemos se a ingestão total de álcool ou os eventos em que há grande consumo alcoólico são diferentes no caso dos atletas e da população em geral. Várias teorias têm sido propostas para explicar associações prováveis entre o esporte e o consumo de álcool.

De um lado, sugere-se que os atletas ingerem menos álcool em razão da elevada auto-estima, do estilo de vida mais rigoroso e do maior interesse na própria saúde e no desempenho. De outro, associam o álcool aos rituais de relaxamento e celebração no esporte e à exposição a determinados riscos, que, no caso dos atletas, seriam maiores. Vários estudos realizados em diferentes países mostram que os relatos dos atletas incluem ingestões de álcool maiores do que as dos sedentários, sendo que os jogadores de equipes esportivas são os que relatam maiores ingestões.

Embora indícios apontem para o fato de que muitos atletas consomem álcool em quantidades excessivas, pelo menos em algumas ocasiões, fazem-se necessários outros estudos para precisar a ingestão de álcool e os padrões de consumo dos atletas. As informações sobre as atitudes e as crenças dos atletas em relação ao álcool também são importantes, pois permitem a orientação dos programas educacionais especificamente para as práticas de consumo de álcool realmente prejudiciais ao desempenho ou à saúde do atleta.

O metabolismo do álcool

O metabolismo do álcool (etanol) ocorre primeiramente no fígado, onde ele é oxidado em acetaldeído e, depois, em acetato. O primeiro passo é catalisado por uma série de enzimas hepáticas, das quais a mais importante é a álcool deidrogenase dependente (NAD). A aldeído deidrogenase catalisa a oxidação subseqüente do acetaldeído em acetato. O NADH formado nessas reações tem de ser reoxidado no interior da mitocôndria.

Porém, a transferência dos átomos de hidrogênio para a mitocôndria pode ser um processo limitante, que interfere no metabolismo dos carboidratos. Se as reservas de glicogênio do fígado estiverem baixas em virtude da combinação de exercício e baixa ingestão de carboidratos, o fígado não será capaz de manter a concentração de glicose em circulação, o que leva à hipoglicemia. O acetaldeído, considerado responsável por vários efeitos adversos do álcool, é metabolizado no interior do fígado. A taxa de eliminação do etanol do fígado varia bastante de acordo com o indivíduo, ao passo que a resposta de cada pessoa depende da quantidade de etanol consumido em relação à ingestão habitual. Circulam informações conflitantes sobre o provável aumento da taxa de metabolismo do álcool em conseqüência do exercício.

Efeitos da ingestão acentuada de álcool sobre o exercício

Anteriormente, alguns atletas consumiam álcool logo após ou durante um evento na esperança de aumentar o desempenho. Acreditava-se que o álcool diminuía a sensibilidade à dor e aumentava a confiança. Pensava-se que os efeitos adicionais sobre o sistema cardiovascular incluíam a redução de tremores e da excitação emocional induzida pelo estresse. Tais fatores são considerados importantes no desenvolvimento da prática de esportes que dependem do controle motor fino. Por esse motivo, embora não esteja mais na lista de substâncias que caracterizam o doping, elaborada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), o álcool continua banido de esportes como tiro e esgrima.

Na prática do esporte moderno, poucos atletas consumiriam álcool durante o exercício com intenção de melhorar o desempenho. Mesmo em esportes como o dardo e o bilhar, em que os participantes geralmente bebem durante a competição, essa prática provavelmente reflete a cultura dos jogos praticados nos ambientes dos hotéis. De modo semelhante, algumas pessoas realizam exercícios, como esquiar, nos momentos de lazer, com nível positivo de álcool no sangue em razão das atividades sociais entre as sessões do exercício. Por isso, é útil examinarmos os efeitos do álcool sobre o metabolismo e o desempenho no exercício.

É difícil, porém, determinar esses resultados, pois o álcool tem uma série de efeitos sobre vários tecidos do corpo, provocando grandes variações nas respostas individuais à ingestão de álcool. Em uma declaração oficial publicada em 1982 pela American College of Sports Medicine, foi feita uma avaliação dos efeitos mais sérios da ingestão do álcool sobre o metabolismo e o desempenho no exercício. A conclusão era de que o álcool não contribuía de forma significativa para as reservas de energia utilizadas durante o exercício; em situações de exercício prolongado, até poderia aumentar o risco de hipoglicemia em conseqüência da supressão da produção de glicose pelo fígado.

O aumento da perda de calor pode estar associado a essa hipoglicemia, assim como a vasodilatação cutânea como conseqüência do exercício e que debilita a regulação da temperatura em ambientes frios. Estudos a respeito dos efeitos do álcool sobre as funções cardiovascular, respiratória e muscular fornecem resultados conflitantes. Esses resultados variam de acordo com a dose de álcool consumida; além disso, há considerável variabilidade nas respostas de indivíduos diferentes.

É difícil realizar estudos sobre o álcool de acordo com os princípios ideais da pesquisa científica, pois não é fácil fornecer tratamento de placebo adequado – as pessoas geralmente sabem quando consomem grandes quantidades de álcool e esse conhecimento pode influenciar em seu desempenho. Comitês de ética também se apresentam relutantes em aprovar estudos que pareçam encorajar o consumo de álcool. A conclusão geralmente aceita é de que grandes ingestões de álcool não apresentam efeitos benéficos à função muscular e, na verdade, o álcool pode surtir efeitos prejudiciais sobre o desempenho no exercício quando consumido em doses altas.

Estudos sobre o álcool, a habilidade e o controle motor fino mostram um efeito prejudicial de quantidades pequenas a moderadas no tempo de reação, coordenação entre mão-olho, precisão, equilíbrio e tarefas complexas. Na verdade, inexistem indícios que apontem para efeitos benéficos relacionados à redução no tremor muscular. Não obstante, a ingestão de álcool pode aumentar o sentimento de autoconfiança, o que, por sua vez, pode melhorar o desempenho ou a percepção do desempenho em algumas situações. Fortes são as razões para proibir os motoristas de dirigir veículos automotivos após consumirem quantidades moderadas a grandes de álcool, uma vez que isso interfere na habilidade e na capacidade de julgamento envolvidas nessa atividade. Nesse aspecto, o desempenho no esporte não é diferente do ato de dirigir.

Efeitos da ingestão acentuada de álcool sobre a recuperação após o exercício

A ingestão de álcool e as bebedeiras parecem particularmente relacionadas com as atividades pós-competição e, ainda, até com os ritos sociais seguidos ao treinamento ou à prática das sessões esportivas em muitas modalidades. Nessa etapa, os atletas costumam ficar desidratados e com poucos alimentos no estômago. Isso porque trata-se do dia da competição. Portanto, o álcool consumido após o exercício é absorvido mais rapidamente e tem maior probabilidade de provocar efeitos mais sérios do que em circunstâncias normais. Por isso, é importante examinar os efeitos do álcool nos processos essenciais para a recuperação após o exercício e no desempenho durante os conjuntos de exercícios subseqüentes.

Reidratação

A reidratação é um componente importante na recuperação pós-exercício. A reposição dos fluidos consiste no equilíbrio entre a quantidade de fluidos que o atleta vai ingerir após o exercício e as perdas. A palatabilidade das bebidas fornecidas após o exercício ajuda a determinar a ingestão total de fluidos, enquanto a reposição das perdas de sódio é o principal determinante do êxito da retenção (ver Capítulo 9). Sugeriu-se que a cerveja é uma bebida aceitável no período pós-exercício porque o atleta consumiria, voluntariamente, grande volumes! A cerveja não dispõe de conteúdo substancial de sódio (a não ser acompanhada da ingestão de alimentos salgados). Além disso, o álcool é conhecido por sua ação diurética, que tende a promover aumento nas perdas pela urina.

Em estudo realizado por Susan Shirreffs e Ron Maughan, foi examinado o efeito do álcool na reidratação pós-exercício de indivíduos cuja perda de fluidos equivalia a 2% da massa corporal (BM – body mass). Os indivíduos repuseram 150% desse volume de fluidos por meio do consumo de bebidas que continham O, 1, 2 e 4% de álcool. A conclusão foi que o volume total de urina produzido durante as seis horas de recuperação era proporcional ao conteúdo de álcool dos fluidos. No caso dos que ingeriram as bebidas com 4% de álcool, ainda havia desidratação no final do período de recuperação, apesar de esses indivíduos terem consumido um volume 1,5 vez maior do que o déficit de fluidos. Embora a variabilidade individual deva ser levada em conta, esse estudo sugere que a ingestão de quantidades significativas de álcool interfere na reidratação. Na prática, estima-se que cervejas com baixo teor alcoólico (menos de 2% de álcool) ou cervejas shandy (misturada com igual porção de limonada para diluir o conteúdo alcoólico e fornecer algum carboidrato) não prejudiquem a reidratação.

Na verdade, essas bebidas podem ser úteis para encorajar grandes ingestões de líquidos em atletas desidratados. Nesse caso, o conteúdo de carboidratos da limonada pode ser útil para reabastecer as reservas de glicogênio. De outro modo, vinhos e destilados com teor alcoólico mais concentrado não são recomendados, pois a reposição eficaz de fluidos seria reduzida pela combinação de menores volumes com maior ingestão de álcool. Quando é necessária uma reidratação rápida, o atleta deve limitar-se a um plano de ingestão considerável de fluidos que inclua a reposição de sódio.

A reserva de glicogênio

Na medida em que o álcool provoca uma série de efeitos no metabolismo dos carboidratos, é possível que a sua ingestão após o exercício prejudique a recuperação das reservas de glicogênio depletadas. Na ausência da ingestão de carboidratos, sabe-se que a ingestão de álcool debilita as reservas de carboidratos do fígado. Foi observado que, em ratos, a ingestão de álcool pode prejudicar as reservas de glicogênio dos músculos após a depleção por jejum ou exercício; no entanto, o efeito em seres humanos ainda não foi esclarecido. Burke e seus colaboradores realizaram uma investigação com seres humanos sobre os efeitos da ingestão de álcool em reservas de glicogênio dos músculos durante 8 e 24 horas de recuperação após sessão prolongada de ciclismo. Nesses estudos, os atletas adotaram três dietas diferentes de acordo com o exercício que provocava a depleção do glicogênio: com alto teor de carboidratos, com utilização de álcool (carboidratos reduzidos mais cerca de 120 g de álcool) e com consumo de álcool e carboidratos (cerca de 120 g de álcool mais dieta com alto teor de carboidratos).

A reserva de glicogênio dos músculos sofreu redução significativa no caso das dietas com utilização de álcool na presença de ingestão inadequada de carboidratos. Diante da ingestão de grande quantidade de carboidratos, não havia indícios de que o álcool causou a redução na reserva de glicogênio dos músculos. Mas ela pode ter sido mascarada pela variabilidade das respostas de indivíduos diferentes. A mensagem mais importante desse estudo é que a ingestão de álcool geralmente tem efeito indireto sobre o reabastecimento de combustíveis após o exercício. Provavelmente, as bebedeiras impedem que o atleta consuma a quantidade necessária de carboidratos; no final, os atletas não ingerem muitos alimentos nem optam por alimentos com alto teor de carboidratos nessas ocasiões. A ingestão de alimentos também pode ser afetada no dia seguinte, pois o atleta acaba dormindo mais para curar a ressaca.

Acidentes e comportamento de alto risco

O álcool prejudica a capacidade de julgamento e reduz a inibição. Conseqüentemente, atletas intoxicados costumam apresentar comportamentos perigosos, o que aumenta o risco de acidentes que podem levar a ferimentos ou à incapacitação para o treinamento e para as competições. O consumo de álcool é um fator importante em acidentes de automóvel e, freqüentemente, está relacionado com casos de afogamento, com danos que afetam a coluna e com outros problemas envolvidos nas atividades de recreação na água. Como destacado no Comentário do Especialista, os atletas não estão imunes aos problemas sociais e comportamentais que acompanham o consumo excessivo de álcool. São necessárias outras pesquisas para investigar se os atletas ou alguns grupos de atletas estariam mais propensos a beber excessivamente ou mais sujeitos a riscos resultantes de problemas relacionados com o álcool. Parece que os atletas deveriam, pelo menos, ser incluídos em programas de educação dirigidos à população e relacionados a comportamentos de risco, como o ato de beber e dirigir.

Outros efeitos do álcool

Muitas atividades esportivas estão associadas a danos aos músculos e aos tecidos moles, como resultado direto do exercício e em conseqüência de acidentes e ataques ou colisões em esportes de contato. A prática médica padrão consiste em tratar os danos aos tecidos moles com técnicas vasoconstritoras (p. ex., descanso, gelo, compressão, elevação).

Uma vez que o álcool dilata os vasos, foi sugerido que ingestão de grandes quantidades aumentaria a dilatação indesejada ao redor dos locais atingidos; dessa forma, retardaria os processos de recuperação. Indícios desse fato aparecem principalmente em estudos de casos e na avaliação subjetiva de fisioterapeutas que tratam os atletas machucados; há, portanto, a necessidade de estudos controlados mais cuidadosos para investigar essas observações. Até que isso seja feito, parece mais sensato que os atletas que sofrem danos consideráveis nos músculos ou nos tecidos moles evitem qualquer ingestão de álcool na fase de recuperação imediatamente posterior ao acidente (p. ex., 24 horas após o evento). Como a perda de calor pela pele é outro efeito da vasodilatação cutânea, os atletas que consomem grandes quantidades de álcool em ambientes frios podem ter problemas na termorregulação. Não está descartado aumento no risco de hipotermia em esportes ou atividades de recreação realizadas em climas frios, principalmente na caminhada ou esqui, cuja ingestão de álcool é prática comum das atividades “après ski”.

É provável que o efeito principal da ingestão excessiva de álcool seja a falha do atleta em seguir as orientações para recuperação ótima. Pode acontecer de o atleta intoxicado não tomar medidas adequadas para controle dos ferimentos ou então deixar de se submeter ao tratamento. Em ambientes frios, pode ser que eles não procurem o abrigo ou o agasalho necessário e nem percebam os primeiros sinais de hipotermia. Atualmente, estudos para medir o efeito direto do álcool sobre danos causados à termorregulação ou aos tecidos moles são estimulados.

O efeito (ressaca) da ingestão de álcool no dia anterior sobre o desempenho

Alguns atletas precisam treinar (ou até mesmo competir novamente) no dia seguinte à competição e à bebedeira no evento comemorativo. Em alguns casos, eles bebem muito na noite anterior à competição para atender às solicitações das atividades sociais ou por acreditarem que isso vai ajudá-los a “relaxar” antes do evento seguinte. O efeito de uma “ressaca alcoólica” sobre o desempenho tem sido amplamente discutido entre os atletas, mas até hoje ainda não foi bem estudado.

Dois estudos investigaram o desempenho no “dia seguinte” de atletas que consumiram grandes quantidades de álcool. Embora o planejamento do estudo não tenha sido ideal em nenhum deles, registrou-se redução em alguns, mas não em todos, dos aspectos do desempenho no exercício. Pesquisa em áreas do trabalho industrial (p. ex., pilotos e operários que controlam máquinas) sugerem que a debilitação das habilidades psicomotoras pode prosseguir até a fase da ressaca. Provavelmente, esse é um tema importante para os esportes de equipe e de quadra, que demandam jogo tático e alto nível de habilidade.

Efeitos da ingestão crônica de álcool nas questões do desempenho esportivo

Os atletas que consomem grandes quantidades de álcool com freqüência enfrentam problemas sociais e físicos associados à bebida. Os primeiros problemas que afetam o desempenho esportivo incluem nutrição inadequada e estilo de vida ruim (p. ex., sono e recuperação insuficientes). Por ser um nutriente bastante energético (fornece 7 kcal ou 27 kJ por grama), o álcool pode aumentar o peso, problema típico no caso de grande ingestão. Fatores adicionais, como padrões irregulares de alimentação e seleção de alimentos gordurosos, podem levar ao excesso de consumo de energia.

Uma história comum, particularmente nos esportes de equipe, é a do atleta que ganha quantidades significativas de gordura corporal fora da temporada por conjugar aumento da ingestão de álcool e redução no gasto em exercícios. Muitos jogadores precisam passar parte significativa da pré-temporada (e até mesmo o começo da temporada) em condicionamento para reverter os problemas do aumento de peso e da diminuição da forma física. Obviamente, isso é uma desvantagem para o desempenho e para a longevidade da carreira esportiva.

Orientações para o consumo sensato de álcool

É importante que os atletas estabeleçam um plano sensato em relação à ingestão de álcool. Apresentamos algumas sugestões a seguir.

1- Consumir ou não bebidas alcoólicas é uma decisão pessoal do atleta. O álcool não é componente essencial da dieta. Não existem indícios de prejuízos à saúde e ao desempenho quando o álcool é utilizado com sensatez.

2- As orientações gerais à população de vários países contêm mensagens sobre ingestões de álcool “seguras e saudáveis”. Em geral, sugere-se que a ingestão média diária seja inferior a 40 até 50 g (4 a 5 doses padrão) para os homens e talvez 20 a 30 g (2 a 3 doses padrão) para as mulheres. As bebedeiras são desencorajadas. Já que a tolerância individual ao álcool é variável, fica difícil estabelecer uma definição precisa para ingestão “pesada” ou “bebedeira”. Ingestões de 80 a 100 g (8 a 10 doses padrão) em um único evento podem caracterizar ingestão “pesada” para a maioria das pessoas.

3- O álcool é um alimento rico em energia (e pobre em nutrientes) e pode ser prejudicial quando o atleta está tentando reduzir a gordura corporal.

4- É desaconselhável a ingestão de grandes quantidades de álcool na noite anterior à competição. No entanto, parece improvável que a ingestão de 1 ou 2 doses padrão exerça efeitos negativos sobre a maioria dos atletas.

5-A ingestão de álcool imediatamente antes ou depois do exercício não melhora o desempenho. Para muitos atletas, isso pode prejudicar o desempenho, particularmente as habilidades psicomotoras e a capacidade de julgamento. Assim, o atleta não deve consumir bebidas alcoólicas com intenção de aumentar o desempenho e deve ser cuidadoso nas situações que envolvem a prática de exercícios e a ingestão social de álcool.

6- A ingestão excessiva de álcool pode interferir na recuperação após o exercício. Isso pode prejudicar diretamente a reidratação, a recuperação do glicogênio e a reparação de danos ao tecido mole. Mais importante ainda é o fato de que o atleta provavelmente não vai se lembrar de seguir as orientações para recuperação ótima se estiver intoxicado. Portanto, ele deve seguir essas orientações antes de consumir qualquer tipo de bebida alcoólica. No caso do atleta cujo tecido mole sofreu algum tipo de dano, nenhuma bebida alcoólica deve ser consumida durante as 24 horas que se seguem ao evento.

7- O atleta deve fazer a reidratação com os fluidos apropriados, em quantidades maiores do que as do déficit. Cervejas com baixo teor alcoólico e coquetéis com cerveja podem ser adequados e parecem estimular a ingestão de grandes volumes. As bebidas que contêm mais de 2% de álcool não são recomendadas durante a reidratação. As melhores opções são as bebidas esportivas, os sucos de frutas e os refrigerantes (cujo conteúdo inclua carboidratos) e água (quando o reabastecimento com combustíveis não é essencial). A reposição de sódio por meio de bebidas esportivas, por soluções de reidratação oral ou por alimentos com sal, também é importante para estimular a retenção desses fluidos de reidratação.

8- Antes de consumir bebidas alcoólicas após o exercício, o atleta deve ingerir refeição ou lanches com alto teor de carboidratos para ajudar na recuperação do glicogênio dos músculos. A ingestão de alimentos também ajuda a diminuir a taxa de absorção do álcool e conseqüentemente a taxa de intoxicação.

9- Depois de atender às prioridades do período de recuperação pós-exercício, o atleta que decidir beber é encorajado a fazê-lo com “moderação”. As campanhas educacionais sobre o ato de beber e dirigir, veiculadas em vários países, orientam para uma ingestão de álcool sensata e moderada.

10- Os atletas que bebem muito após a competição ou em outras situações não devem dirigir nem realizar atividades de risco.

11- É difícil mudar as atitudes e os comportamentos dos atletas em relação ao álcool. Técnicos, coordenadores e profissionais da medicina esportiva podem divulgar orientações tais como as listadas anteriormente. É importante reforçar essas mensagens com infra-estrutura que incentive o consumo sensato de bebidas alcoólicas. O álcool deve ser banido, por exemplo, dos vestiários e substituído por lanches ou refeições apropriados ao período de recuperação. Em muitos casos, os atletas bebem quando estão com os colegas; assim, pode ser mais fácil alterar o ambiente em que isso ocorre do que mudar as atitudes imediatas.

Considerações Finais sobre a ingestão de álcool no esporte

O álcool está fortemente relacionado com o esporte moderno. As ingestões de álcool e os padrões de consumo de bebidas alcoólicas por atletas ainda não foram bem estudados. Parece que alguns atletas costumam tomar porres que, em geral, estão associados à socialização pós-competição. Não há provas de que o álcool aumente o desempenho esportivo; na verdade, indícios apontam que a ingestão durante o exercício ou imediatamente antes dele, ou grandes quantidades consumi das na noite anterior ao exercício, prejudica o desempenho. Existem diferenças consideráveis nas respostas dos indivíduos à ingestão de álcool. Há probabilidade de prejuízos à recuperação após o exercício, principalmente porque o atleta intoxicado não costuma seguir as recomendações necessárias para recuperação ótima. Os atletas não estão imunes aos problemas causados pelo álcool, inclusive ao grande risco de acidentes de automóvel quando o motorista se excede na ingestão de bebidas alcoólicas. Além da necessidade de criação de campanhas educacionais voltadas para os atletas a fim de incentivar práticas de consumo de álcool sensatas, seria importante também utilizar o atleta como porta-voz de mensagens educacionais dirigidas à comunidade. Os atletas são admirados pela população em geral e podem ser transformados em educadores eficazes nessa área. O álcool é consumido em maior ou menor quantidade pela maioria dos adultos em todo o mundo. Portanto, seria muito útil uma campanha educacional que explicasse como usá10 para melhorar o estilo de vida ao invés de prejudicar a saúde e o desempenho.

Fonte: Livro Nutrição Esportiva / Ronald J. Maughan e Louise M. Burke; trad. Denise Regina de Sales – Porto Alegre: Artmed, 2004.

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